Dona de uma das vozes mais ágeis da ópera mundial, alemã afirma que a pandemia a fez refletir sobre o mundo e seu repertório, que traz Mozart, Donizetti, Strauss e as ‘perigosas’ operetas à série do Mozarteum
Diana Damrau desembarcou no Brasil com uma ideia para uma nova ópera. Ao GLOBO, a soprano coloratura conta que tinha acabado de ver um filme no avião e teve diante de si o que parecia ser “O Cavaleiro da Rosa do século 21”, em referência à ópera de Richard Strauss sobre uma aristocrata e seu amante mais jovem. Tão logo desceu, ligou empolgada para seu amigo, o compositor Iain Bell, com quem já tinha colaborado em “The Harlot’s Progress” (O Progresso da Meretriz”, em tradução livre), que estreou em 2013, em Viena. Mas, afinal, que filme era esse?
– Não posso dizer, é segredo – responde Damrau, com voz baixa e certa timidez.
Prestes a fazer o segundo e último concerto de sua vinda a São Paulo – ela se apresenta na Sala São Paulo com a Orquestra Acadêmica do Mozarteum nesta terça, sob regência do búlgaro Pavel Baleff –, Diana Damrau é, aos 53 anos, uma joia da ópera mundial. Uma cantora que botou no bolso papéis de muita agilidade vocal, como a Rainha da Noite da “Flauta Mágica” de Mozart e a Norina de “Don Pasquale”, além de todas as rainhas Tudor compostas por Donizetti. Bastante à vontade num hotel na Oscar Freire, Damrau, que se prepara para estrear no papel da Marechala do “Cavaleiro da Rosa” neste ano, conta ao GLOBO que a pandemia lhe trouxe novas conclusões para a carreira, o que afetou inclusive sua escolha de repertório.
– Estava com meus filhos de 3 e 4 anos, com meu marido em casa, tendo todas as preocupações possíveis daquele período. Passei por várias decisões a respeito do que fazer com minha agenda, sobre como educá-los, todas essas decisões familiares. Mudei minha nutrição, parei de comer carne por três anos, e tentei ver a a foto mais ampla do mundo. Comecei a me preocupar com temas como para onde estamos indo. E me veio a sensação de que precisamos salvar o mundo, de alguma maneira, e como eu poderia contribuir a respeito disso, porque havia a possibilidade de mudar. Comecei a olhar para os meus papéis e decidi que não queria mais fazer papéis de mulheres loucas e zangadas, e preferi voltar às raízes. Não queria mais mostrar pessoas destruídas. Queria passar para as pessoas algo mais alegre, com mais esperança, queria chegar a pessoas que cumprem seus objetivos, bons exemplos.
Essas conclusões a levaram, em 2023, ao lançamento do álbum “Operette”, em que celebra esse gênero mais ágil e bem humorado do teatro cantado, cultivado por Johann Strauss II, Franz Léhar e Messager. Alguns desses compositores ocupam a segunda parte do recital, além de quatro canções espanholas de Joaquín Rodrigo, das quais se diz encantada. O repertório é parte de pesquisas que faz em parceria com o pianista Helmut Deutsch, famoso acompanhador austríaco de cantores.
— Esse repertório tem um desafio, tem um perigo. Dentro de um bolo muito apetitoso, você pode ter algo bastante amargo. A opereta ri de si mesma – diz Damrau. – Outra decisão tomada também que só vou cantar aquilo de que realmente amo. Adoro a história da personagem principal de “Lulu”, adoraria desempenhar aquele papel, mas a música de Berg não me pega tanto.
Para quem pensa nos rumos do mundo, Damrau não esconde sua frustração quando indagada sobre os rumos de sua Alemanha natal. Nas últimas eleições europeias, o partido AfD, de extrema-direita, obteve o segundo lugar na Alemanha, o que deve lhe dar 17 cadeiras no Parlamento de Bruxelas. Sem querer entrar muito profundamente no tema, Damrau lamenta em tom quase enigmático.
– Há pessoas que nunca estão satisfeitas. Para si mesmas e para já. E isso não é muito maturo, nem cuidadoso. o ser humano é o predador mais perigoso de todos.
De fato, o resultado europeu vai muito na contramão de uma mulher que demonstra certa vocaçào universalista até no repertório. Além de Mozart, de joias do belcanto e das grandes canções de arte produzidas por Strauss, haverá um brasileiro. Neste concerto, Diana Damrau apresenta uma peça de Alberto Nepomuceno (1864-1920), “Xácara”, que ensaiou com o pianista brasileiro Ramon Theobald, atualmente radicado em Paris.